segunda-feira, 8 de março de 2010

Comemoração do Dia Internacional da Mulher - Contributos (1)

Para Santa Sofía de la Piedad, a redução dos habitantes da casa devia ter sido o descanso a que tinha direito depois de mais de meio século de trabalho. Nunca ouviram uma queixa àquela mulher sigilosa, impenetrável, que semeou na família os germes angélicos de Remedios, a bela, e a misteriosa solenidade de José Arcadio Segundo; que consagrou toda uma vida de solidão e silêncio à criação de umas crianças que mal se lembravam que eram seus filhos e seus netos, e que tratou de Aureliano como se tivesse saído das suas entranhas, sem ela própria saber que era bisavó dele. (…) Quando Fernanda chegou lá a casa teve razões para crer que era uma criada eternizada, e ainda que várias vezes tivesse ouvido dizer que era a mãe do seu marido, aquilo parecia-lhe tão incrível que demorava mais tempo a ouvi-lo do que a esquecê-lo. Santa Sofía de la Piedad nunca pareceu importar-se com aquela posição subalterna. Pelo contrário, dava a impressão de que gostava de andar pelos cantos, sem uma trégua, sem um queixume, mantendo arrumada e limpa a imensa casa onde viveu desde a adolescência e que, principalmente nos tempos da companhia bananeira, mais parecia um quartel do que um lar. Mas quando Úrsula morreu, a diligência sobre-humana de Santa Sofía de la Piedad, a sua tremenda capacidade de trabalho, começaram a vacilar. Não era apenas por estar velha e esgotada, mas porque a casa se precipitou da noite para o dia numa crise de senilidade. Um musgo tenro trepou pelas paredes. Quando deixou de haver um lugar limpo no quintal, as ervas daninhas começaram a brotar por debaixo do pavimento do corredor, rachando-o como a um vidro, e saíram pelas gretas as mesmas flores amarelas que, quase um século antes, Úrsula encontrara no copo onde estava a dentadura postiça de Melquíades. Sem tempo nem recursos para impedir os desaforos da Natureza, Santa Sofía de la Piedad passava o dia metida nos quartos a espantar os lagartos que tornariam a entrar durante a noite. Certo dia, de manhã, viu que as formigas vermelhas tinham deixado os alicerces solapados, atravessaram o jardim, subiram pelo corrimão onde as begónias tinham adquirido uma cor de terra e entraram até ao fundo da casa. Primeiro tentou matá-las com uma vassoura, depois com insecticida e, por fim, com cal, mas no dia seguinte estavam outra vez no mesmo lugar, passando sempre, tenazes e invencíveis. Fernanda escrevia cartas aos filhos e não se dava conta da incontível arremetida da destruição. Santa Sofía de la Piedad continuou a lutar sozinha, debatendo-se contra a erva daninha para que não entrasse na cozinha, arrancando das paredes as borlas de teias de aranha que se reproduziam em poucas horas, raspando o caruncho. Mas quando viu que também o quarto de Melquíades estava cheio de teias de aranha e de poeira, mesmo que o varresse e sacudisse três vezes ao dia e que, apesar da sua fúria de limpeza, estava ameaçado pelos escombros e pelo ar de miséria que apenas o coronel Aureliano Buendía e o jovem militar tinham previsto, compreendeu que estava vencida. Então vestiu o coçado fato dominical, calçou uns sapatos velhos de Úrsula e um par de meias de algodão que Amaranta Úrsula lhe oferecera, e fez uma trouxa com as duas ou três mudas que lhe restavam.

─ Rendo-me ─ disse a Aureliano. ─ Isto é casa a mais para os meus pobres ossos.
Aureliano perguntou-lhe para onde ia e ela fez um gesto vago, como se não fizesse a maior ideia do seu destino. Fez, no entanto, por precisar que ia passar os seus últimos anos com uma prima-irmã que vivia em Riohacha. Não era uma explicação verosímil. Desde a morte dos pais que não tinha tido contacto com ninguém da povoação, nem recebeu cartas nem recados, nem nunca a ouviram falar de parente algum. Aureliano deu-lhe catorze peixinhos de ouro, porque ela estava disposta a partir só com o que tinha: um peso e vinte e cinco centavos. Da janela do quarto, ele viu-a atravessar o quintal com a sua trouxinha de roupa, a arrastar os pés e arqueada pelos anos, e viu-a enfiar a mão por um buraco do portão para pôr a tranca depois de ter saído. Nunca mais se voltou a saber dela.


Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão

Prof. Esmeralda Lopes

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