Mostrar mensagens com a etiqueta Dia mundial da Poesia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Dia mundial da Poesia. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 22 de março de 2010

DIa Mundial da Poesia - Contributos (8)

Dia Mundial da Poesia - Contributos (7)

Num Monumento à Aspirina


Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis de meteorologia,
a toda hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia.
*
Convergem: a aparência e os efeitos
da lente do comprimido de aspirina:
o acabamento esmerado desse cristal,
polido a esmeril e repolido a lima,
prefigura o clima onde ele faz viver
e o cartesiano de tudo nesse clima.
De outro lado, porque lente interna,
de uso interno, por detrás da retina,
não serve exclusivamente para o olho
a lente, ou o comprimido de aspirina:
ela reenfoca, para o corpo inteiro,
o borroso de ao redor, e o reafina.

João Cabral de Melo Neto, A Educação pela Pedra




Dia Mundial da Poesia - Contributos (6)

DE OMBRO NA OMBREIRA

De ombro na ombreira vejo
no outro lado outro
ombro na ombreira

Entre ombros nas ombreiras
nenhum assombro:
ombros ombro a ombro
param ombro a ombreira

Quando tudo escombro
ainda todos seremos
ombro na ombreira.

Alexandre O'Neill, Poesias Completas

Dia Mundial da Poesia - Contributos (4)



You Are Welcome to Elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício


Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsinore

E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o
amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso querer falar.

Mário Cesariny




Prof. Paulo Mendes

domingo, 21 de março de 2010

Dia Mundial da Poesia - Contributos (3)


LAS MOSCAS




Vosotras, las familiares,
inevitables golosas,
vosotras, moscas vulgares,
me evocáis todas las cosas.
Oh, viejas moscas voraces
como abejas en abril,
viejas moscas pertinaces
sobre mi calva infantil!
Moscas del primer hastío
en el salón familiar,
las claras tardes de estío
en que yo empecé a soñar !
Y en la aborrecida escuela,
raudas moscas divertidas,
perseguidas
por amor de lo que vuela,
- que todo es volar -, sonoras
rebotando en los cristales
en los días otoñales…
Moscas de todas las horas,
de infancia y adolescencia,
de mi juventud dorada;
de esta segunda inocencia,
que da en no creer en nada,
de siempre… Moscas vulgares,
que de puro familiares
no tendréis digno cantor:
yo sé que os habéis posado
sobre el juguete encantado,
sobre el librote cerrado,
sobre la carta de amor,
sobre los párpados yertos
de los muertos.
Inevitables golosas,
que ni labráis como abejas,
ni brilláis cual mariposas;
pequeñitas, revoltosas,
vosotras, amigas viejas,
me evocáis todas las cosas.

Antonio Machado, Poesías Completas

Prof. Esmeralda Lopes

Dia Mundial da Poesia - Contributos (2)



A poesia, vou dizer-vos o que é: eu tinha uma avó velhíssima, de quase cem anos, que perdera já a memória do presente. Não reconhecia as filhas, que a não deixavam nunca só e a serviam continuamente. Não reconhecia os lugares da casa, a porta chapeada de zinco que abria para o caminho, a outra porta pequena que abria para o quinteiro. Mas, às vezes (eu fixo-me numa ou duas em que assisti a isso), ficava atenta à chuva que caía, e ordenava, levantando a mão tão branca e ociosa, ela que trabalhara tanto e amassara a farinha e carregara tantas abadas de legumes e de feijão, e carregara ao peito os filhos também. Ela disse, olhando pela janela a eira inundada: «Vem ali o teu pai e não tem casaco. Leva-lhe um casaco para que a chuva o não molhe.» Era uma cena que ela reproduzia fielmente passados mais de quarenta anos, e isso era poesia.
*
A melhor impressão que a poesia nos pode dar é esta: ficar de coração vagabundo, deixando a vareja estalar na janela as asas grossas, e não dar por isso, como um cão surdo.

Agustina Bessa-Luís, Dicionário Imperfeito

Prof. Esmeralda Lopes

Dia Mundial da Poesia - Contributos (1)



PAGE D’ÉCRITURE


Deux et deux quatre
quatre et quatre huit
huit et huit font seize…
Répétez ! dit le maître
Deux et deux quatre
quatre et quatre huit
huit et huit font seize.
Mais voilà l’oiseau-lyre
qui passe dans le ciel
l’enfant le voit
 l’enfant l’entend
l’enfant l’appelle :
Sauve-moi
joue avec moi
oiseau !
Alors l’oiseau descend
et joue avec l’enfant
Deux et deux quatre…
Répétez ! dit le maître
et l’enfant joue
l’oiseau joue avec lui…
Quatre et quatre huit
huit et huit font seize
et seize et seize qu’est-ce qu’ils font ?
Ils ne font rien seize et seize
et surtout pas trente-deux
de toute façon
et ils s’en vont.
Et l’enfant a caché l’oiseau
dans son pupitre
et tous les enfants
entendent sa chanson
et tous les enfants
entendent la musique
et huit et huit à leur tour s’en vont
et quatre et quatre et deux et deux
à leur tour fichent le camp
et un et un ne font ni une ni deux
un à un s’en vont également.
et l’oiseau-lyre joue
et l’enfant chante
et le professeur crie :
Quand vous aurez fini de faire le pitre !
Mais tous les autres enfants
écoutent la musique
et les murs de la classe
s’écroulent tranquillement.
Et les vitres redeviennent sable
l’encre redevient eau
les pupitres redeviennent arbres
la craie redevient falaise
le porte-plume redevient oiseau.

Jacques Prévert, Paroles


Prof. Esmeralda Lopes