terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Poema da semana


As canseiras desta vida




As canseiras desta vida

tanta mãe envelhecida

a escovar

a escovar

a jaqueta carcomida

fica um farrapo a brilhar



Cozinheira que se esmera

faz a sopa de miséria

a contar

a contar

os tostões da minha féria

e a panela a protestar



Dás as voltas ao suor

fim do mês é dia 30

e a sexta é depois da quinta

sempre de mal a pior



E cada um se lamenta

que isto assim não pode ser

que esta vida não se aguenta

-o que é que se há-de fazer?



Corta a carne, corta o peixe

não há pão que o preço deixe

a poupar

a poupar

a notinha que se queixa

tão difícil de ganhar



Anda a mãe do passarinho

a acartar o pão pró ninho

a cansar

a cansar

com a lama do caminho

só se sabe lamentar



É mentira, é verdade

vai o tempo, vem a idade

a esticar

a esticar

a ilusão de liberdade

pra morrer sem acordar



É na morte ou é na vida

que está a chave escondida

do portão

do portão

deste beco sem saída

-qual será a solução?


José Mário Branco

Pensamento da semana


A capacidade de produzir diversidade genética foi, sim, a característica humana que mais e melhor nos permitiu sobreviver. O sermos suficientemente diferentes entre nós mesmos (e as diferenças de uma para outra geração) oferecu à evolução um leque de escolhas genéticas e produziu respostas adaptativas suficientemente diversas para que a Vida pudesse sempre escolher. Demos essa liberdade à Vida.
Essa habilidade em produzir diversidade, esse é o segredo da nossa vitalidade e das nossas artes da sobrevivência. Temos que saber manter essa capacidade - agora no plano cultural e civilizacional - para respondermos às novas ameaças que sobre todos nós pesam. As saídas que nos restam pedem-nos não o olhar do lince mas o olho composto da mosca.
Mia Couto