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terça-feira, 20 de abril de 2010

PERGUNTAS À LÍNGUA PORTUGUESA - MIA COUTO

Venho brincar aqui no Português, a língua.

Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta.
A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o voo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem é idimensões?
Assim, embarco nesse gozo de ver como escrita e o mundo mutuamente se desobedecem. Meu anjo-da-guarda, felizmente, nunca me guardou.
Uns nos acalentam: que nós estamos a sustentar maiores territórios da lusofonia.
Nós estamos simplesmente ocupados a sermos. Outros nos acusam: nós estamos a desgastar a língua. Nos falta domínio, carecemos de técnica.
Ora qual é a nossa elegância? Nenhuma, excepto a de irmos ajeitando o pé a um novo chão. Ou estaremos convidando o chão ao molde do pé? Questões que dariam para muita conferência, papelosas comunicações.
Mas nós, aqui na mais meridional esquina do Sul, estamos exercendo é a ciência de sobreviver. Nós estamos deitando molho sobre pouca farinha a ver se o milagre dos pães se repete na periferia do mundo, neste sulbúrbio.
No enquanto, defendemos o direito de não saber, o gosto de saborear ignorâncias. Entretanto, vamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão.
Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas.
Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?
Estamos, sim, amando o indomesticável, aderindo ao invisível, procurando os outros tempos deste tempo. Precisamos, sim, de senso incomum. Pois, das leis da língua, alguém sabe as certezas delas?
Ponho as minhas irreticências. Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua:

• Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?

• No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica a expressão: passar a noite em branco?

• A diferença entre um ás no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética?
• O mato desconhecido é que é o anonimato?

• O pequeno viaduto é um abreviaduto?

• Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente.

• Quem vive numa encruzilhada é um encruzilhéu?

• Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado?

• Tristeza do boi vem de ele não se lembrar que bicho foi na última reencarnação. Pois se ele, em anterior vida, beneficiou de chifre o que está ocorrendo não é uma reencornação?

• O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim?

• Onde se esgotou a água se deve dizer: "aquabou"?

• Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço?

• Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?

• Mulher desdentada pode usar fio dental?

• A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel?

• As reservas de dinheiro são sempre finas. Será daí que vem o nome: "finanças"?

• Um tufão pequeno: um tufinho?

• O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha?

• Em águas doces alguém se pode salpicar?

• Adulto pratica adultério. E um menor: será que pratica minoritério?

• Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose?

• Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo?

• Borboleta que insiste em ser ninfa: é ela a tal ninfomaníaca?

Brincadeiras, brincriações.

E é coisa que não se termina.

Lembro a camponesa da Zambézia. Eu falo português corta-mato, dizia. Sim, isso que ela fazia é, afinal, trabalho de todos nós. Colocámos essoutro português - o nosso português - na travessia dos matos, fizemos com que ele se descalçasse pelos atalhos da savana.

Nesse caminho lhe fomos somando colorações. Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas - o racionalismo trabalha que nem lixívia. Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a graça da dança.

É urgente recuperar brilhos antigos.

Devolver a estrela ao planeta dormente.

Mia Couto
Fonte: http://www.dsignos.com.br/curiosidades/DS_Texto_Perguntas%20a%20LP_MiaCouto.pdf

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Colóquio Mia Couto - Antuérpia - Março de 2010

 É já uma tradição do Departamento de Português do Instituto Superior de Tradutores e Intérpretes organizar colóquios internacionais e jornadas de investigação em torno de escritores do espaço lusófono.

No âmbito desses eventos vieram a Antuérpia José Eduardo Agualusa, Ana Paula Tavares, João de Melo, Luísa Costa Gomes, José Saramago e, desde a criação do Centro de Língua do Instituto Camões em Antuérpia em 2005, Lídia Jorge, Isabel da Nobrega, Teolinda Gersão, Hélia Correia, Jaime Rocha, Teresa Salema e Rui Mário Gonçalves.

Estes eventos foram realizados com o intuito não só de divulgar a literatura e a cultura portuguesas na Bélgica, mas também de contribuir para a reflexão em torno dos domínios da criação literária contemporânea.

Em Março de 2010 coube a vez a Mia Couto, num encontro que reuniu, para além do autor, especialistas da sua obra e alguns dos seus tradutores.

Foram concebidas duas áreas de trabalho, uma de análise e reflexão da obra do autor moçambicano e outra de abordagem dos problemas específicos que se colocam na tradução da língua de Mia Couto.

Comissão organizadora


Dr. José Nobre da Silveira

Dr. Frédéric Wille

Professora Doutora Anne Quataert

Comissão científica

Professora Doutora Christiane Stallaert (Artesis dep. VT)

Professor Doutor Alberto Carvalho (Univ. de Lisboa)

Professor Doutor David Brookshaw (Univ. de Bristol)

Doutora Fernanda Afonso (CRIMIC - Univ. Sorbonne Paris IV)

Doutor Arie Pos ( ICL – Univ. do Porto)


Fonte: http://www.coloquiomiacouto.be/

sexta-feira, 16 de abril de 2010

PEÇA INSPIRADA EM ROMANCE DE MIA COUTO EM CENA NO TEATRO CINEARTE


 
A peça Vila Cacimba, inspirada no romance Venenos de Deus, Remédios do Diabo, de Mia Couto, vai estar entre hoje e domingo em cena no Teatro Cinearte, em Lisboa. Hoje e amanhã às 22h00, e no domingo às 17h00.
É num ambiente de sonho e de policial, onde o romance e a novela mexicana se fundem e confundem, que seis actores colocam em cena uma história mirabolante centrada na busca… de um remédio. Conseguirá o Doutor Sidónio erradicar a epidemia que assolou Vila Cacimba ou pretende apenas curar Bartolomeu Sozinho? Conseguirá Suacelência um medicamento que lhe anule definitivamente a transpiração ou morrerá envenenado por vingança? Conseguirá Dona Munda que lhe devolvam a filha Deolinda ou será acusada de ser feiticeira? Sonhar é uma cura ou dá um trabalhão danado? Há sempre um remédio para tudo ou a vida não tem remédio?
Informação retirada daqui







segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia Internacional da Mulher - Contributos (3)

MULHER

Solteira, chorei.
Casada, já nem lágrima tive.

Viúva, perdi olhos
para tristezas.

O destino da mulher
é esquecer-se de ser.

 
Mia Couto

Prof. Paulo Mendes

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Pensamento da semana


A capacidade de produzir diversidade genética foi, sim, a característica humana que mais e melhor nos permitiu sobreviver. O sermos suficientemente diferentes entre nós mesmos (e as diferenças de uma para outra geração) oferecu à evolução um leque de escolhas genéticas e produziu respostas adaptativas suficientemente diversas para que a Vida pudesse sempre escolher. Demos essa liberdade à Vida.
Essa habilidade em produzir diversidade, esse é o segredo da nossa vitalidade e das nossas artes da sobrevivência. Temos que saber manter essa capacidade - agora no plano cultural e civilizacional - para respondermos às novas ameaças que sobre todos nós pesam. As saídas que nos restam pedem-nos não o olhar do lince mas o olho composto da mosca.
Mia Couto