sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Gente Singular, sem dúvida

Embora com algum atraso aqui se cumpre a promessa de voltar a falar sobre Manuel Teixeira Gomes, o escritor que foi o sétimo Presidente da República portuguesa.
Decerto que qualquer espírito amante da leitura e da originalidade ficará contente ao saborear as histórias de Gente Singular, uma colectânea de contos de 1909. E porquê? Em primeiro lugar porque assistimos ao desfilar de personagens estranhas, bizarras, misteriosas. Em segundo lugar, porque o narrador as capta gerindo o suspense, o imprevisto, e porque usa de um humor sem preconceito.
Algumas das personagens que dominam estas histórias são: D. Joaquina, uma viúva de quarenta anos, que se veste de negro e de expressão dolorosa, para convencer o narrador a ajudá-la e esconde uma vida que não é de todo inocente; a belíssima e sofisticada Leonor Gelder, cunhada dos israelitas Bega, que o narrador frequenta em Amesterdão, mulher que o narrador deseja, mas cujas intenções são bem concretas; Monsenhor Simas, personagem insólita, rodeado de três insólitas irmãs, que focalizam o interesse das suas vidas provincianas na inauguração de uma retrete, novidade ao tempo, naquelas paragens de Vila Real de S. António.
Nos restantes contos, «O Álbum», «Sede de Sangue», «O Triste Fim do Major Tatibiate» e «Profecia Certa» encontramos outras tantas personagens singulares, com as suas manias e as suas aparências enganosas.
De todos, um dos mais interessantes é «Profecia Certa», um conto primorosamente construído numa longa analepse. Nele assiste-se à desgraça de Helena que troca o seu namorado, pobre estudante de Medicina, por um bem parecido alferes, com quem se casa, ignorante da doença terrível que irá destruir o seu casamento. Mas o seu primeiro namorado já o sabia…
Quem gosta de histórias surpreendentes não ficará desiludido com Gente Singular. Sem dúvida.
Ana Garrido, Carla Diogo, Lina Heitor

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O BESTIÁRIO DA BESC (3)

A CABRA

A cabra transmite à terra o que sabe
presa à sua sombra, chuvosa, a cabra
quebra o silêncio das raízes, rumina
as fezes, investe até ao fundo
contra a solidão, cata ruínas
com a mesma paixão do tempo
A cabra no escuro, tanto
lhe faz quando a noite a roce
no vento pelos úberes, os úberes
da cabra riscam a noite
de branco.

J.T. Parreira

POEMA(S) DA CABRA

(…)

Quem já encontrou uma cabra
que tivesse ritmos domésticos?
O grosso derrame do porco,
da vaca, do sono e de tédio?


Quem encontrou cabra que fosse
animal de sociedade?
Tal o cão, o gato, o cavalo,
diletos do homem e da arte?


A cabra guarda todo o arisco,
rebelde, do animal selvagem,
viva demais que é para ser
animal dos de luxo ou pajem.


Viva demais para não ser,
quando colaboracionista,
o reduzido irredutível,
o inconformado conformista.

(…)

João Cabral de Melo Neto, Obra Completa


Poemas escolhidos pelos alunos do 10º C