Pedrada no charco. Suponho ser esta a melhor definição para o efeito que em mim causou a notícia da atribuição do Prémio Nobel da Literatura deste ano ao poeta sueco Tomas Tranströmer, o que me levou a conjecturar que, se calhar, é mesmo esta uma das funções positivas da existência deste tipo de galardões, ou seja, a de (re)despertar em nós a vontade de (re)visitar recônditos estagnados ou ignorados da nossa memória individual ou colectiva.
Foi na década de 80, quando estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que tomei contacto acidental com alguns autores exponenciais da poesia sueca, através da aquisição e leitura da excelente colectânea 21 Poetas suecos, coordenada por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. E digo acidental porque, ao varrer com o olhar as estantes da livraria situada na cave do edifício da Faculdade, em busca de outros títulos constantes nas longas e dispendiosas listas bibliográficas com que cada docente daquela casa nos brindava no início de cada ano lectivo, me deparei estarrecida com um título que considerei retrospectivamente como uma quase impossibilidade, pois não consegui vislumbrar, no momento, a que conduziria o resultado da adição “suecos + poesia”. O anterior contacto profissional e pessoal de bastantes anos com vários detentores daquela nacionalidade, para além de ter constituído uma segunda e fundamental escola na minha vida, havia moldado a minha visão sobre os mesmos na igualdade “suecos = pragmatismo”, logo, supunha eu, inviabilizadora da construção de algo que me merecesse uma inclusão digna no género poético. Movida, inicialmente, por uma enorme curiosidade, rapidamente me confrontei com o horror e a vergonha da percepção estereotipada que havia construído, não só sobre a cultura e o povo suecos, mas também relativamente àquilo de que o género lírico se pode alimentar. Dois poemas bastante distintos entre si foram fulcrais neste processo, “Escandinávia”, de Artur Lundkvist, e “Kyrie” do agora laureado Tomas Tranströmer. Convido-vos a lê-los no comentário seguinte, porque a poesia é uma poderosa arma contra os estereótipos que infelizmente ainda permeiam e limitam as nossas vidas e que quotidianamente nos esforçamos por erradicar da (nossa) escola.
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